sábado, 3 de maio de 2008

Itabira drummondiana






Falar de Itabira é sempre uma nostalgia. Itabira é tão complexa, tão cheia de histórias, de causos, que podemos desdobrá-las em centenas de Itabiras: a Itabira do ouro, a Itabira do ferro (Itabira Iron Ore Company Limited), a Itabira de Saint-Hilaire, a Itabira das Irmandades, a Itabira das fábricas de tecido da Gabiroba e Pedreira, a Itabira do Cauê, a Itabira do minério de ferro (Companhia Vale do Rio Doce), a Itabira da Euterpe, a Itabira da Estrada Real e do Museu do Tropeiro, a Itabira dos itabiranos e de seu mais ilustre filho, a Itabira de Carlos Drummond de Andrade.

Falar de Drummond não é fácil, e da Itabira de Drummond é como “uma pedra no meio do caminho”... Como fui me meter nesta? Continuo eu, ou paro aqui mesmo?

“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?”

Em Itabira são inúmeros os testemunhos da presença de Drummond, da sua mineiridade, de sua vida pacata. A fazenda do Pontal onde nascera não existe mais, resta apenas uma lagoa de rejeito de minério pesando no solo...

“Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada consendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino pequeno entre mangueiras
Lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
(...)
E lá longe meu pai campeava
No mato sem fim da fazenda.”

Mas tudo na vida passa, o menino cresce, muda, muda de cidade, de cabeça... ficam algumas lembranças, boas ou ruins... ficam apenas lembranças.

“Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.”

E Itabira permanece:

"Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.”

A religião permanece:

“Os romeiros sobem a ladeira
Cheia de espinhos, cheia de pedras,
Sobem a ladeira que leva a Deus
E vão deixando culpas no caminho.”

Mas é assim que Itabira ficou para sempre na memória de Drummond:

CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isto sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce lembrança, itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
Esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
Este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
Este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
Este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede
Mas como dói!